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Valor da Causa nas demandas possessórias

Retorno a este espaço virtual para tratar de um assunto mais prosaico, ligado à fixação do valor da causa em demandas possessórias, a par de recente notícia do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=109084

Sempre tive predileção pelo tema da posse, provavelmente pelas dificuldades inerentes ao tema, as quais refletem diretamente no seu trato processual.

RUGGIERO já advertia:

“Não há matéria que se ache mais cheia de dificuldades do que esta, no que se refere à sua origem histórica, ao fundamento racional da sua proteção, à sua terminologia, à sua estrutura teórica, aos elementos que a integram, ao seu objeto, aos seus efeitos, aos modos de adquiri-la ou perdê-la”[1].

Bem, propriamente, a questão versada no julgado em testilha, mote deste post, é a fixação do valor da causa em demandas possessórias, por conta da ausência de expressa previsão legal.

Oportuno rememorar, o valor dado à causa, expresso em quantia certa, representa a utilidade econômica do pedido (CPC, artigo 258). A valoração é obrigatória, ainda que a causa não tenha conteúdo econômico imediato, sendo parâmetro, em diferentes ordenamentos, para fixação de competência, recolhimento das despesas processuais, condenação em honorários, litigância de má-fé e etc.

Pois bem, nosso Código de Processo Civil estatuiu, obviamente de forma exemplificada, o valor da causa em diferentes tipos de demanda (CPC, artigo 259), bem como limitações ao seu dimensionamento (CPC, artigo 260).

Todavia, como reconheceu o acórdão objeto da notícia (STJ, REsp no 1.230.839-MG, relatora Ministra Nancy Andrighi), inexiste disposição expressa sobre a fixação do valor da causa em demandas possessórias, omissão que persiste no atual projeto de Novo Código de Processo Civil.

Assim, como de rigor a quantificação (CPC, artigo 258), esta fica a priori ao alvedrio do demandante[2], sendo objeto de controle posterior (CPC, artigo 261).

Nada obstante, a aparente liberdade na fixação do valor da causa encontra contraponto na necessidade do dimensionamento expressar o conteúdo econômico perseguido pela pretensão externada.

E aí reside o problema: como estabelecer o conteúdo econômico da pretensão possessória, que pode ter um quid da propriedade, mas não só. Basta pensar nas demandas envolvendo possuidor direto contra indireto ou, mesmo, naquelas do possuidor não proprietário em desfavor do proprietário não possuidor em que não se busque o reconhecimento do direito da usucapião.

Penso que não seja sempre válido atribuir equivalência entre o valor do bem e o pedido de proteção possessória, porquanto esta nem sempre tem o mesmo valor daquele.

De fato, a metodologia correta para a valoração das demandas, entre elas, a possessória, é a que leva em conta tanto a causa de pedir quanto o pedido formulado, pelo que os índices a serem utilizados na determinação do valor da causa são os elementos da demanda[3].

Portanto, o valor da causa deve ser determinado pela análise conjunta do pedido veiculado pelo demandante com a causa de pedir que o sustenta[4], sem descurar, nesta fixação, matizes e nuances do feito, pois somente tendo em conta o pedido e a causa de pedir “se poderá inferir o valor da causa”[5].

CARNELUTTI bem acentua as diferenças:

“Em duas palavras: que Tício pretenda a propriedade de um imóvel, ou apenas o usufruto ou apenas o gozo a título de arrendamento, influencia notavelmente no valor do litígio, mesmo quando o bem discutido for sempre o mesmo. O conteúdo do litígio é resolvido, pois, em dois elementos combinados: bem e interesse.”[6]

Noutra obra do insigne autor a distinção fica ainda mais clara:

“O valor da lide, segundo o temos indicado, é dado pela combinação do bem com o interesse que constitui o conteúdo da pretensão; assim, então, por exemplo, embora se trate do mesmo bem, é diferente o valor da lide segundo se discute sobre sua venda ou sua locação, sua propriedade ou seu usufruto”[7].

Eis o ponto.

O que interessa nas possessórias para a fixação do seu valor é a conformação da pretensão, a qual expressa e representa o conteúdo econômico da demanda. Diverso do objetivo de integrar um bem imóvel ao patrimônio (reivindicatória, usucapião e etc.) é a situação cujo objeto é a proteção da posse do mesmo imóvel.

Na primeira hipótese, o demandante visa integrar um bem ao patrimônio, que será acrescido na exata medida do valor da coisa[8], enquanto, agora no âmbito da segunda hipótese, o acréscimo é de proteção à posse do imóvel[9].

Dito às claras e às secas, nas demandas possessórias o patrimônio é incrementado pela proteção jurídica, cuja repercussão econômica é o norte do valor da causa.

Em sendo assim, o valor da causa nas possessórias é de ser debulhado dos índices da demanda (pretensão), a fim de que represente exatamente o “valor”, na situação enfocada, da proteção jurídica solicitada[10].

Posta assim a questão, o julgado do Superior Tribunal de Justiça andou bem ao extrair da causa o benefício econômico auferido consequencialmente à proteção possessória para o efeito de determinar sua valoração.


[1] RUGGIERO, Instituições de direito civil.

[2] “A fixação do valor da causa, para efeitos processuais, pode ser legal, nos casos dos arts. 259 e 260, ou voluntária (estimativa feita pelo autor), nos restantes. (…). Em todas as outras hipóteses, o valor da causa é fixado voluntariamente pelo autor, mediante estimativa do benefício visado, feita na inicial, em função da unidade monetária nacional ou índice móvel acaso legalmente admitido”. (Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 18/19).

[3] Toda demanda, qualquer que seja sua natureza e finalidade, compõe-se de três elementos indispensáveis à formação de seu conceito, que são partes, causa de pedir e pedido. Estas são os elementos formais de toda e qualquer demanda, independente de seu conteúdo específico: “Se todas as demandas, como dissemos, hão de ter aqueles três elementos estruturais, que são indispensáveis à formação de seu próprio conceito – e por eles todas as demandas se equivalem – como então distingui-las umas das outras? Como identificá-las e saber porque uma ação de despejo é realmente uma ação de despejo e em que ela se distingue, por exemplo, de uma ação de reintegração de posse, ou de uma ação de reivindicação, nas quais também ocorre o mesmo fenômeno de expulsão do demandado da posse da coisa até então existente em seu poder e a correspondente imissão do autor na posse do objeto mediato do litígio. (…) diferem entre si porque, em cada uma delas, se faz valer um direito completamente distinto do direito afirmado nas demais. Esta resposta, sem dúvida correta, estaria, no entanto, incompleta. Não se deve identificar a demanda com o eventual direito subjetivo material de que ela provém, e sim da respectiva pretensão, igualmente de direito material que a demanda procura tutelar (…)” (Ovídio Baptista, Curso de Direito Processual Civil, v. 1, p. 159).

[4] “A demanda consta (…) de três elementos: sujeitos, petitum e causa petendi. No estudo do valor consideram-se apenas os dois últimos elementos. O valor da demanda não é o valor do objeto mediato da demanda, nem da causa petendi isoladamente considerados, mas da combinação dos dois elementos, ou seja, é o valor daquilo que se pede, considerado em atenção à causa petendi, isto é, à relação jurídica baseada na qual se pede; é o valor da relação jurídica, nos limites, porém, do petitum (por exemplo, posse pedir em juízo a entrega de um imóvel a título de locação ou a título de propriedade; o objeto da prestação é o mesmo, mas a causa petendi não o é; muito diverso é o valor das duas lides)” (Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 193). Na mesma linha, SATTA: “O princípio basilar é de que o valor da causa, (…), se estima pela ação (…). Por ação se entende não somente o petitum, mas a ação no conjunto de seus elementos constitutivos: personae, causa petendi, petitum (…)”. (Salvatore Satta, Direito processual civil, p. 80).

[5] Calamandrei, Direito processual civil, v. 2, p. 121.

[6] Carnelutti, Sistema de direito processual civil, v. 2, p. 384.

[7] Carnelutti, Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 267.

[8] Egas Dirceu, Comentários ao código de processo civil, v. 2, p. 324.

[9] “a) Valor da causa nas ações possessórias. Afaste-se, por absoluta impropriedade, a atribuição do valor da causa nas ações possessórias segundo o critério estabelecido para a ação reivindicatória, como se vê de algumas decisões. Os espectros de uma e de outra relação jurídica são completamente diversos, e bem assim o conteúdo econômico que emerge do domínio e da posse, ou em alguns casos da simples proteção desta; nem mesmo as reduções dos valores dos lançamentos para 1/3 (um terço), ou para a metade, como sinalizam outros julgados, consubstanciariam critérios aceitáveis, por absoluta ausência de fundamento. Em verdade, tais critérios são absolutamente arbitrários. Com razão DALL’AGNOLL JÚNIOR, ao apontar como critério que melhor se afeiçoa ao conceito, aquele que tem em vista o conteúdo econômico da privação da posse, distinguindo-se evidentemente, as hipóteses em que o autor teve sua posse esbulhada e pede a reintegração, daquelas em que houver turbação que enseja a propositura da ação de manutenção de posse. Distinguir-se-á por igual, segue o processualista gaúcho, os casos de esbulho em terreno baldio daqueles que se derem em gleba utilizada ordinariamente pelo autor para agricultura.” (Fábio Gomes, Comentários ao código de processo civil, v. 3, p. 130).

[10] “[…] podem ser distintos os títulos jurídicos pelos quais se contende sobre um bem determinado, e ao variar o título, pode variar, mesmo sem que varie o bem, o valor patrimonial da causa. Se o litígio e a respeito da propriedade de uma coisa, é evidente que as conseqüências patrimoniais de dita controvérsia serão mais relevantes que as que poderiam se seguir do litígio a respeito do gozo dela, a título, suponhamos, de empréstimo ou locação. Aqui, então, o cálculo do valor do se complica com a necessidade de levar também em conta a relação econômico-jurídica existente entre e a.” (CALAMANDREI, Direito processual civil, v. 2, p. 122).petitum petitum causa petendi