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STF confirma possibilidade de desistência de mandado de segurança após decisão de mérito

A decisão objeto do presente comentário causará diversas discussões no meio acadêmico, suscitando igualmente uma plêiade de problemas práticos. Em agravo, a decisão não pode simplesmente ser tangenciada como um ponto fora da curva no processo de uniformização da jurisprudência, como por vezes ocorre na prática, pois submetida ao regime de repercussão geral, nos termos do artigo 543-B do Código de Processo Civil.

Para que possamos entender o singular do posicionamento, indispensável assentarmos a compreensão atual sobre a possibilidade de desistência das demandas e os reflexos ao derredor. No estado da arte, antes da dita triangulação processual com a citação do réu, o autor pode desistir livremente de sua demanda, o que implicará numa sentença sem resolução de mérito (CPC, artigo 267, inciso VII e § 4o). Citado o réu, a desistência fica condicionada ao consentimento deste, na forma do citado § 4o do artigo 267, também implicando numa sentença sem resolução de mérito. Nessas hipóteses, o autor poderá repropor a demanda sem que se possa aventar o óbice da coisa julgada material (CPC, artigo 268). A necessidade de consentimento do réu para desistência do autor após a citação é um consectário da compreensão de que o primeiro também é titular do direito de ver apreciado o mérito da demanda. É que, chamado ao processo, pela bilateralidade do direito de ação (ou direito de exceção para alguns), o réu tem direito à prestação da tutela jurisdicional, podendo postular a rejeição da pretensão do autor, obtendo com a coisa julgada material segurança jurídica sobre o tema. Ao autor, negado consentimento ao pleito desistência, somente se abriria, para dar cabo ao processo, a possibilidade de renunciar à pretensão, ato acobertado pela coisa julgada material (CPC, artigo 269, inciso V). Contudo, prolatada a sentença, inviável é a desistência do processo, ainda que acorde as partes, pois já prestada a tutela jurisdicional. O ato estatal cristalizado nos autos não pode ser colhido pelo ato das partes, para ser desconsiderado pura e simplesmente, como se apagado do mundo fosse. As partes podem acordar sobre o conteúdo da sentença, redimensionado seus efeitos, mas jamais desconsiderá-la olimpicamente. A obviedade, ao autor ou réu é ainda facultado desistir/renunciar, independentemente de qualquer assentimento, quanto ao recurso interposto (CPC, artigos 501 e 502), o que fará prevalecer o provimento jurisdicional objeto do próprio recurso. Pois bem, essa perspectiva interpretativa se aplica, no mais das vezes, ao mandado de segurança. A única ressalva se faz no tocante à desnecessidade de intimação da parte contrária para a desistência, pela especialidade do mandado de segurança e da lei de regência, numa interpretação a contrario sensu do artigo 19 da ab-rogada lei no 1.533, de 31 de dezembro de 1951, hoje o artigo 24 da lei no 12.016, de 7 de agosto de 2009. A lei estabeleceria os casos em que se aplicaria ao mandado de segurança o Código de Processo Civillex specialis derogat generali. Nada obstante, o precedente ora analisado rompe com tal entendimento dominante, permitindo a desistência do mandado de segurança mesmo quando já prolatado o provimento jurisdicional de mérito. Sinceramente, no ponto, discordamos da conclusão do julgamento, uma vez que às partes não é dado o poder de desconsiderar a prestação da tutela jurisdicional já realizada. O provimento de mérito, enquanto ato estatal, não pode ser simplesmente afastado do mundo jurídico, quase que rescindido pela desistência apresentada pelo impetrante. O mandado de segurança é uma ação constitucional cujo exercício traz consigo potencialmente, implementando, o Poder Jurisdicional. E aí, prestada a tutela jurisdicional de mérito, em ato estatal predestinado a regular à situação estratificada nos autos, este se impõe às Partes, independentemente de sua vontade. Isso é ínsito e próprio do poder estatal. Assim, penso que a razão, in casu, ficou com o voto vencido do Ministro Luiz Fux, inclusive no que propugnou a aplicação ao mandado de segurança do artigo 267, § 4o, do Código de Processo Civil. Mesmo porque, como acentuado pelo Ministro: “A parte não pode ter o domínio de, depois que o Estado se desincumbiu da prestação judicial, desistir de tudo aquilo quanto induzira o Estado”. Sem dúvida, o precedente, além de irromper no padrão jurisprudencial até aqui estabelecido sobre o tema, levado às últimas conseqüências, demanda uma revisão sobre a natureza jurídica do mandado de segurança. Seria ele um mero recurso, como sempre entendeu BOTELHO MESQUITA, ou a decisão merece revisão. A discussão está aberta.

AUTOR DOS COMENTÁRIOS: Zulmar Duarte de Oliveira Junior

Advogado. Consultor Jurídico do Estado de Santa Catarina. Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Pós-Graduando em Direito Civil e Processual Civil. Ex-Assessor Jurídico da Câmara de Vereadores de Imbituba/SC. Ex-Procurador Geral do Município de Imbituba/SC. Professor da UNIBAVE.