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Novo CPC e a Carência de Ação

Sem a pretensão de emular com o bem escrito[2] post[3] do ilustre doutrinador José Miguel Garcia Medina (@profmedina), muito mais para retomar um curto debate travado no twitter, envolvendo também o ilustre doutrinador Luiz Dellore (@dellore), apresento algumas considerações sobre a carência de ação no Novo CPC.

No referido post, parte o doutrinador do pressuposto de que o Novo CPC teria dado tratamento diverso ao instituto da carência de ação, quiçá em coerência com perspectiva da teoria da asserção (in status assertionis).

Assim, após traçar lindes entre a sentença que rejeita a pretensão por carência de ação e aquela que lhe dá a tarja de improcedência, acentuando a maior gravidade da primeira, o emérito doutrinador assenta que o Novo CPC teria percebido tal realidade, na linha do artigo 473, caput, e § 1º. Ademais, o Novo CPC teria excluído a possibilidade jurídica das condições da ação, inserindo nas hipóteses de improcedência liminar do pedido (artigo 307).

Oportuno se torna dizer, a teoria da asserção é uma saída elegante e muito útil ao problema criado pelo acolhimento, por parte do legislador processual, da teoria eclética da ação, formulada por LIEBMAN.

Sem dúvida, a teoria eclética há muito sofre reparos pela vã tentativa de eliminação dos insuprimíveis vínculos de ligação entre direito material e processo (OVÍDIO BAPTISTA), pela compreensão dos fatos reais pelo caleidoscópio da ficção (FÁBIO GOMES).

CALMON DE PASSSOS já havia denunciado o concretismo dissimulado de LIEBMAN, enquanto OVÍDIO BAPTISTA apontava uma perigosa aproximação da doutrina eclética com a de direito concreto de ação.

A bem da verdade, a análise das ditas condições da ação redunda na incursão do mérito da demanda. Dizer que ausente uma das condições da ação é o mesmo que julgar improcedente o pedido. Por exemplo, obstar pedido de indenização por ilegitimidade passiva ad causam é o mesmo que assentar que a parte não perpetrou a ação culposa motriz do dano.

Assim, como o encadeamento de relações de direito material e processual só se faria possível mercê de raciocínios hipotéticos, a teoria da asserção propugna uma nova perspectiva na análise das condições da ação. Estas seriam utilizadas como fator de economia processual, devendo seu cotejo ser realizado sem qualquer incursão no mérito, com base na descrição da pretensão[4].

Dito isso, conquanto seja adepto da teoria da asserção[5] — por necessidade de compreensão do sistema posto —, penso que o Novo CPC não lhe deu guarida.

Isso porque, em linhas gerais, no trato da matéria, o Novo CPC (artigos 17, 305, 327 e 472), repete a disciplina do Velho (artigos 3º, 295, 301 e 267), ou seja, a boa e velha carência de ação, independentemente do momento da sentença e da forma de apreciação, implicará em sentença prolatada sem resolução de mérito.

Além do mimetismo do regime vigente, sem muitas inovações, a ilação é reforçada pelo fato de que o artigo 472 estabelece, genericamente, a sentença sem resolução de mérito quando verificada a ausência de legitimidade ou de interesse processual.

Impende observar criticamente, se a teoria das condições da ação, com a roupagem da asserção, fosse acolhida pelo Novo CPC, existiria uma aproximação de redação entre o disposto no artigo 305 com o artigo 472 do projeto, a fim de que clausuladas expressões genéricas — “manifestamente”, “verificado de plano”, “sem a necessidade de dilação probatória” —, para todas as hipóteses de carência de ação e sentença sem resolução de mérito. Aí sim, não sendo manifesta, verificada após revolvimento da matéria ou com dilação probatória, a sentença se daria com resolução de mérito (artigo 474).

De outro norte, de fato, o Novo CPC deixou de trabalhar com a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação, como, aliás, o próprio LIEBMAN propugnou posteriormente na 2ª edição do seu manual de direito processual civil, ao alargar o conceito de interesse agir.

Penso ter sido acertada a exclusão. Porém, não comungo da visão de que a impossibilidade jurídica do pedido sempre levará a improcedência liminar do pedido (artigo 307 do Novo CPC), eis que esta hipótese tem enlaçamento umbilical com a uniformização jurisprudencial, não abrangendo todas as situações antes reconduzíveis aquela tipologia.

Verdadeiramente, como acolhida a teoria eclética, boa a disposição do artigo 473, § 1º, do Novo CPC, que veda a possibilidade de propositura de nova demanda sem sua correção. A regra dá cabo à esquizofrenia de se ficar repetindo o ingresso da mesmíssima demanda, anteriormente já extinta (artigo 268 do Velho CPC), esperando juízo positivo de admissibilidade, talvez pela substituição do magistrado.

Em sendo assim, penso que o Novo CPC, ainda que tenha avançado na matéria em comparação com o Velho CPC, não se desvinculou da teoria eclética do direito de ação, nem muito menos se aproximou da teoria da asserção.


[1] Designaremos o projeto de Novo Código de Processo Civil, tramitando atualmente na Câmara de Deputados tombado pelo número 8046/2010 (Disponível em: http://www.câmara.gov.br/sileg/integras/831805.pdf Acesso em: 8 abr. 2011), com a expressão “Novo CPC”, sendo que, em contrapartida, o atual Código de Processo Civil — lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 —, pelo rótulo “Velho CPC”

[2] O elogio é sincero. Não é fruto da prática de elogiar para, em passo seguinte, estar licenciado à crítica. A prática ensina que as loas a sustentação oral são o prelúdio da rejeição dos argumentos articulados.

[3] Disponível em: https://professormedina.wordpress.com/2011/04/05/carencia-de-acaoeproducao-de-efeitos-similares-ao-da-coisa-julgada-no-projeto-do-novo-cpc/ Acesso em: 08 de abril de 2011.

[4] “O exame das condições da ação deve ser feito ‘com abstração das possibilidades que, no juízo de mérito, vão deparar-se o julgador: a de proclamar existente ou a de declarar inexistente a relação jurídica que constitui a res in iudicium deducta’; vale dizer, o órgão julgador, ao apreciá-las, “considera tal relação jurídica in statu assertionis, ou seja, à vista do que se afirmou.” (KAZUO WATANABE).

[5] Não nos preocupa a inquietação de FÁBIO GOMES com o silogismo perfeito, utilizado pelo autor para tornar admissível à tutela jurisdicional, o que levaria com isso a “desastrosa conseqüência de bastar ao autor da demanda mentir para adquirir o direito à jurisdição”. Tal atitude pode e deve ser sancionada (artigo 17 do Código de Processo Civil).