Blog

Rescisória prepóstera e o novo CPC

Entre os dias 25 e 27 deste mês de maio, realizou-se no Rio de Janeiro o III Encontro do Fórum Permanente de Processualistas Civis, cujo tema central foi o projeto do Novo Código de Processo Civil (Novo CPC), atualmente tramitando no Senado Federal[1].

Um dos temas objeto de discussão foi a necessidade de superação[2] do enunciado de súmula no 401 do Superior Tribunal de Justiça, a par do Novo CPC ter agasalhado a coisa julgada progressiva.

É de se ressaltar, no atual estado da arte, reina invencível controvérsia sobre a matéria, animada por entendimentos divergentes entre os tribunais de superposição, aqui entendidos como aqueles predestinados à uniformização do ordenamento, inclusive com a edição de enunciados de jurisprudência contraditórios.

A título de exemplo, podemos lembrar, o Tribunal Superior do Trabalho no enunciado de súmula no 100 admite a rescisória parcial antes do trânsito em julgado do provimento final:

“(…). II – Havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial. (ex-Súmula nº 100 – alterada pela Res. 109/2001, DJ 20.04.2001).(…)”.

À sua vez, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento diverso, cristalizado no mencionado enunciado de súmula no 401: “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”.

Aliter, o Supremo Tribunal Federal também admite a rescisória de capítulo não impugnado, a despeito doutros serem objeto de recurso, como deixam entrever os enunciados de súmula 354[3] e 514:

“EM CASO DE EMBARGOS INFRINGENTES PARCIAIS, É DEFINITIVA A PARTE DA DECISÃO EMBARGADA EM QUE NÃO HOUVE DIVERGÊNCIA NA VOTAÇÃO”.

“ADMITE-SE AÇÃO RESCISÓRIA CONTRA SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO, AINDA QUE CONTRA ELA NÃO SE TENHA ESGOTADO TODOS OS RECURSOS”.

Demais disso, recentemente o Supremo Tribunal Federal palmilhou e prestigiou tal leitura na décima-primeira questão de ordem da ação penal no 470[4], bem como no recurso extraordinário no 666.589[5].

Verdade seja, a situação ultrapassa as fronteiras meramente acadêmicas, porquanto a interpretação propugnada pelo Superior Tribunal de Justiça tem obstaculizado o ingresso de demandas rescisórias, quanto aos temas não objeto de recurso (acobertados pela coisa julgada), antes do trânsito do último provimento jurisdicional.

A título de exemplo, podemos lembrar da situação envolvendo litisconsortes. Na perspectiva prevalecente no Superior Tribunal de Justiça, o recurso interposto por um deles, acaso não aproveite os demais (CPC, artigo 509), não impede o trânsito em julgado da decisão quanto ao litisconsorte não recorrente (prenhe de eficácia), mas impede o manejo da demanda rescisória.

Em contraponto, a persistência dessa divergência jurisprudencial, mesmo no contexto atual, além de esmaecer a função nomofilática[6] das Cortes de superposição, erige situações paradoxais.

Não orça com a irrealidade a hipótese de um litisconsorte propor demanda rescisória com trânsito obstado pelo enunciado de súmula no 401 do STJ. Nessa situação, provavelmente o STF não conheceria do recurso extraordinário aviado na violação, por exemplo, ao artigo 5o, inciso XXXV, da CRFB/88, pois a ofensa seria reflexa[7]. Tempos depois poderia o mesmo litisconsorte ter ceifado o seu direito à rescisória por potencial vilipêndio ao postulado da coisa julgada (artigo 5o, inciso XXXVI, da CRFB). A cogitação ganha foros de realidade no mencionado recurso extraordinário no 666.589.

Ponto está, se atualmente os danos marginais são profundos, tendem a se acentuarem ainda mais com o Novo CPC, pois este abre flanco à coisa julgada parcial (entre outros, artigos 361 e 363) e imediatamente eficaz (v. G. artigo 537).

Visualizado o litígio como um diamante bruto, podemos dizer que suas distintas faces poderão assumir no Novo CPC diferentes graus na escala de dureza. Algumas delas não mais passíveis de serem conformadas, outras submissíveis ao polimento na via da rescisória e, finalmente, aquelas em fase de lapidação.

Conquanto no contexto atual seja possível o trânsito em jugado parcial, o fato é que o sistema estratificado no Código de Processo Civil de 1973 agasalhou o princípio da concentração das decisões de que falava LIEBMAN[8], pelo que decisões parciais rompem a unidade sentencial, em desacordo com os artigos 458 e 459 do Código de Processo Civil.

Diversamente, o Novo CPC abriga e estimula os provimentos parciais de mérito, permitindo a formação progressiva da coisa julgada sobre o objeto litigioso.

Assim, para evitarmos o paroxismo de termos provimentos parciais, cobertos pela coisa julgada, imediatamente exequíveis, mas insuscetíveis de serem questionados pela rescisória, a aprovação do Novo CPC impõe a revisão do enunciado de súmula 401 do STJ.

Noutras palavras, o artigo 987 do Novo CPC deve ser compreendido, no seu sentido e alcance[9], de modo a permitir a propositura da ação rescisória quanto ao provimento parcial coberto pela coisa julgada independentemente do trânsito em jugado da última decisão.

Por oportuno, referida leitura prestigia também o acesso à justiça (artigo 5o, inciso XXXV, da CRFB), no que desobstrui o uso da rescisória, bem como, no concernente aos litisconsortes, encontra conforto no artigo 117 do Novo CPC.

Pode-se também, como sugerido no mencionado encontro por ALEXANDRE FREITAS CÂMARA (salvo engano), sugerir a aplicação no tema do artigo 218, § 4o, do Novo CPC.

Portanto, é de se permitir a clivagem da coisa julgada tão logo a mesma seja cristalizada, até o termo final do artigo 987 do Novo CPC, sob pena de placitarmos o desenvolvimento de todas suas potencialidades sem que o afetado possa fazer uso da via excepcional para rescisão do julgado.

Mesmo porque, não fosse assim, estatuiríamos outra aporia no sistema. Seria lícito no cumprimento parcial desconstituir o provimento com base em decisão do Supremo Tribunal Federal (artigos 538, § 10, e 549, § 5o), mas igual provimento estaria indene quanto às demais causas de rescisão (artigo 978) até o trânsito em julgado final (artigo 987).

[1] O projeto retornou ao Senado Federal (Casa de origem), no tocante às emendas apresentadas pela Câmara dos Deputados (Casa revisora), na forma do parágrafo único do artigo 65 da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88).

[2] Foi proposta a edição de enunciado no mencionado Fórum sobre a temática, o qual não alcançou a unanimidade necessária para aprovação como exigiam as regras do evento.

[3] Essa súmula restou superada, na nossa opinião, pela nova redação do artigo 498 do CPC.

[4] Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo728.htm Acesso em: 1o de maio de 2014.

[5] Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=263313&caixaBusca=N Acesso em: 1o de maio de 2014.

[6] Calamandrei, La casacion civil, tomo II, p. 41.

[7] Sobre a necessidade de revisão desse entendimento da violação reflexa, escrevemos aqui: http://atualidadesdodireito.com.br/novocpc/2012/09/17/principios-no-novo-cpc-ofensa-reflexaaconstituicao-clivagem-necessaria/

[8] Liebman, Eficácia e autoridade da decisão.

[9] Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, p. 1.